O número de brasileiros inadimplentes chegou a 67,6 milhões em julho e é o maior da série histórica da Serasa Experian, iniciada em 2016. O problema é tão grave que entrou, inclusive, na pauta da campanha à Presidência. Estar inadimplente, no entanto, não significa estar desprovido de direitos, dizem especialistas.
Ninguém discute a obrigação do devedor de pagar suas contas, mas não sem antes ter acesso ao contrato, aos dados sobre os débitos, à informação prévia à negativação e, principalmente, sem passar por situações de cobranças vexatórias.
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— Hoje a realidade do empobrecimento se impõe a outras causas de endividamento, como descontrole financeiro. As pessoas pegam crédito para sobreviver, para pagar a luz. O consumidor precisa do dinheiro, os bancos têm todos condições muito semelhantes. E, quando ele não paga, muitas vezes, essa cobrança é abusiva, com uma dezena de ligações por dia. Temos caso de uma criança que atendeu a chamada e avisaram que o pai estava devendo. Isso não pode — destaca Rodrigo Tritapepe, diretor de Atendimento e Orientação do Procon-SP.
Sem prescrição em 5 anos
Evelyn Capucho, diretora de Atendimento do Procon-RJ, diz que um dos erros comuns cometidos pelos endividados é se sentir obrigado a renegociar a dívida quando é procurado pelo credor. No afã de sair da lista de negativados, consumidores acabam, às vezes, pagando contas que não devem e fazendo maus negócios, o que aumenta a dívida.
— O consumidor inadimplente não é obrigado a aceitar qualquer tipo de negociação. E sequer deve negociar sem todas as informações sobre a dívida, dados como juros, o custo total da renegociação, o prazo e uma avaliação do impacto no seu orçamento. Se não está seguro, a orientação é procurar um Procon ou a Defensoria Pública, onde terá assistência — ressalta.
É preciso ficar atento também a mitos, como a prescrição de dívidas em cinco anos:
— Cinco anos é o prazo estabelecido pelo Código de Defesa do Consumidor para o nome do devedor ser retirado do cadastro de negativados, mas isso não significa que a dívida não possa ser cobrada — explica a diretora do Procon-RJ.
Aviso antes de cortar luz ou gás
Tritapepe destaca ainda que a proteção contra o corte de serviços essenciais — como luz, água e até serviços de telecomunicações —, garantida no período auge da pandemia, já não existe mais:
— Ou seja, quem estiver inadimplente poderá ter o fornecimento de água e luz cortado, mas não antes de receber um aviso. E é importante que a empresa esteja apta para religar rapidamente, assim que a conta for quitada.
Aposentado, José Hermógenes dos Santos, de 72 anos, ficou oito meses sem pagar a conta de luz durante a pandemia:
— Moro com minha esposa e três netos. Quando foi proibido que cortassem a energia, acabei atrasando as contas, mas agora recebi um dinheiro extra e renegociei para manter o nome em dia.
O advogado especialista em Direito do Consumidor Ronaldo Gotlib esclarece que toda empresa tem obrigação de avisar ao consumidor que ele está com pendências e sujeito à negativação.
Informação clara
Gotlib ressalta que o consumidor precisa redobrar a atenção ao fato de que é comum bancos e outras instituições venderem as dívidas de seus clientes para empresas terceirizadas de recuperação de crédito, garantindo um retorno mais rápido e transferindo a responsabilidade da cobrança.
— Chamamos essa venda em grande escala para essas empresas de “indústria da cobrança”. Há casos de cobranças abusivas e de práticas que induzem o consumidor ao erro, com valores de débito exorbitantes, que não refletem a realidade — alerta.
A professora Claudia Lima Marques, diretora da Faculdade de Direito da UFRGS, uma das mentoras da Lei do Superendividamento, diz que a nova doutrina também oferece proteção a quem não chegou a ter a renda completamente comprometida pelas dívidas, como é o caso dos superendividados.
A lei determina a concessão responsável de crédito pelas instituições financeiras, estabelecendo critérios claros que devem ser seguidos, e veda o assédio na oferta de empréstimos ao consumidor.
— As ofertas que não cumprirem os critérios podem ter os juros reduzidos e o prazo dilatado judicialmente, sem prejuízos a outras sanções que podem ser impostas — destaca a professora.
A prática do crédito consciente, no entanto, ainda está longe de ser uma realidade, diz Eduardo Chow, coordenador do Núcleo de Defesa do Consumidor (Nudecon), da Defensoria Pública do Rio:
— O pior de tudo é o assédio. Temos consumidores que chegam aqui com 14 empréstimos, 90% da renda comprometida. Pega um empréstimo para cobrir o outro.
FONTE / REPRODUÇÃO: Portal de Notícias Yahoo!Notícias / Por Redação: Luciana Casemiro – Colaboraram Camilla Alcântara e Taís Codeco, estagiária, sob supervisão de Luciana Casemiro / Foto Capa / Reprodução Potal BRNotícias.Yahoo